Reportagem especial: Parque Estadual da Serra Negra: Destruição pela Preservação?

Ago 06, 2014 Escrito por 
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Criado há mais de 17 anos pelo Estado de Minas Gerais, através do Decreto 39.907/96, o Parque Estadual da Serra Negra, Unidade de Conservação e Preservação integral existente no Município de Itamarandiba e constantemente abordado pelos críticos a respeito de sua forma de criação e de implantação.

 

Justificado essencialmente sob o pretexto de conservar o ambiente natural e guarnecer o seu bioma, que se destaca pela rica diversidade de fauna e flora, notadamente em uma região assolada pela devastação e pela implantação de monoculturas; a criação do PESN não levou em consideração aspectos essenciais, como a realidade social e humana das comunidades, essencialmente constituída por pequenos proprietários rurais de subsistência.

 

A importância ambiental do Parque é incontroversa, sabido por todos que, na Serra Negra, existem elementos naturais que devem ser preservados e até mesmo blindados da atuação degradante das mineradoras e das grandes empresas. É, sim, louvável a iniciativa estatal para a criação da unidade. Não obstante isso, a ausência de planejamento e de gestão, com relação ao Parque Estadual da Serra Negra, traz inúmeros prejuízos ambientais e humanos, para uma das áreas que deveria ser referência no quesito de preservação ambiental.
Nesta omissão estatal, destaca-se o total descaso com as comunidades atingidas, reputadas como de grande valia para o contexto social e econômico do município de Itamarandiba.

Com uma área de, aproximadamente, 13.600 hectares, existem, dentro dos limites da Unidade de Conservação, cerca de 140 propriedades catalogadas pelo Instituto Estadual de Florestas (IEF), autarquia gestora do Parque. São áreas que possuem tamanho desde menos de um hectare a quase dois mil hectares, predominando as pequenas propriedades rurais e produtivas.

Nos dias 19 e 20 de julho, a equipe do Itamarandiba Hoje visitou algumas famílias que viveram ou ainda vivem dentro dos limites do Parque, produzindo um documentário em vídeo e subsídio para a presente reportagem especial. É inacreditável a situação das famílias que ali se encontram, cujos problemas são desconhecidos pela maioria dos Itamarandibanos e os seus responsáveis, as autoridades estatais, que, infelizmente, pouco fazem para mudar a dura realidade dessa gente.
Ficou constatado que a criação do Parque Estadual da Serra Negra se deveu a uma importante prerrogativa: Preservar o rico ambiente natural da região. No entanto, sob o pretexto da preservação ambiental, foi completamente dilacerado o meio social e econômico das famílias atingidas. Surgiu então a Destruição do meio humano de seres que há anos não vivem dignamente graças às interferências estatais no seu habitat. É a verdadeira destruição do ambiente humano daquela gente para a preservação do ambiente natural da região.
 

A TRISTE REALIDADE DOS MORADORES DA SERRA NEGRA


Em nossa jornada pelo Parque Estadual da Serra Negra, partimos de Itamarandiba rumo ao distrito de Santa Joana, primeira parada a 22 Km de distância e principal comunidade no entorno da Unidade de Conservação.
Em uma primeira conversa com os moradores locais, percebemos grande aflição, sempre preocupados com o desenrolar das atividades estatais com relação ao PESN, já que boa parte da comunidade de Santa Joana depende, direta ou indiretamente, dos frutos extraídos das propriedades inseridas dentro do Parque Estadual da Serra Negra.

Adentrando em estrada municipal, depois de 5 Km chegamos à propriedade rural denominada Bananal, onde hoje vive o atingido José Elair Martins. Ele nos convida a adentrar à sua humilde residência e, em conversa informal, na simplicidade de um trabalhador rural leigo e pobre, nos delata a situação por ele vivenciada: “Eu fiz tudo o que o IEF me pediu, levei os documentos... E eles me tiraram de casa sem me pagar o valor de minhas terras. Avaliaram por R$ 16.700,00, mas até agora não recebi nada, agora moro no terreno da minha mãe de favor. Dei baixa no cartão de produtor rural e nas criações no IMA”, disse o lavrador, que teve seu único imóvel, com área de seis hectares, desapropriado pelo IEF. Lamentou ainda a perda com as benfeitorias existentes no terreno, como casa, pastagens e plantio de café.

Ainda na mesma localidade vive Seu Raimundo e Dona Aparecida, outras vítimas do Estado que tiveram suas terras também desapropriadas pelo IEF. Dona Aparecida, que é irmã de José Elair, também externou sua insatisfação com a situação: “Era o lugar onde criamos a minha família … isso foi injusto, desapropriaram e ainda não pagaram nada.”
José Elair e Dona Aparecida são vítimas consolidadas da maneira em que o Estado de Minas Gerais e o Instituto Estadual de Florestas vêm conduzindo os processos de desapropriação da Unidade de Conservação. Além desses atingidos, ouvidos pela reportagem do Itamarandiba Hoje, mais quatro proprietários respondem a processo de desapropriação que tramitam pela Comarca de Itamarandiba, e cerca de 136 propriedades ainda estão pendentes de Regularização Fundiária.


O Sr. Jose Raimundo da Silva, atingido e presidente da Associação dos Defensores e Amigos da Serra Negra, denuncia que, há mais de 10 anos, existem trabalhadores rurais que não trabalham nas áreas, já que abandonaram suas atividades devido a promessas evasivas de agentes o IEF e de uma fiscalização desproporcional que impede os trabalhadores de plantarem e colherem suas culturas de manejo tradicional. Existem relatos de famílias inteiras que passam dificuldades das mais básicas devido à atuação do IEF na região, que “não deixa plantar nem colher”.
Paralelamente à ausência de resposta estatal às reivindicações e da morosidade do processo de implantação da Unidade de Conservação, a principal indignação dos atingidos com o IEF e o Estado de Minas Gerais é o valor das indenizações que, mesmo sendo reconhecidas pelas autoridades competentes como de baixo valor, ainda continuam vigorando como argumento para deferimento de liminares e retiradas arbitrarias dos moradores de suas pequenas propriedades rurais produtivas.

Os atingidos ainda lutam pela implantação de reassentamentos de suas famílias, de forma que não fiquem desguarnecidos de seu meio produtivo tradicional, a agricultura familiar de subsistência. No entanto, o IEF admite que o reassentamento não será trabalhado com os atingidos do Parque Estadual da Serra Negra, o que informou o Gerente de Regularização Fundiária do IEF-MG, Mateus Garcia de Campos.
 

ASSOCIACAO BRIGA NA JUSTICA PELOS DIREITOS DOS ATINGIDOS


Criada no ano de 2010, a Associação dos Defensores e Amigos da Serra Negra – ADASN – é uma entidade civil sem fins lucrativos, formada principalmente por moradores da região da Serra Negra, cujo objetivo é a reivindicação junto ao IEF-MG e ao Estado de Minas Gerais dos direitos de seus membros.

Por meio de sua atuação extrajudicial, buscou a realização de diversas reuniões com autoridades do IEF e do Estado de Minas Gerais, inclusive com três Audiências Publicas na Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais.
Ainda mantém contato estreito com as gerências e diretorias do IEF, buscando alento aos atingidos pela Unidade de Conservação. Não obstante isso, apesar das insistentes reivindicações, os entes e autoridades estatais não respondiam, à altura, as demandas da associação, o que levou a entidade a ajuizar, no ano de 2012, uma Ação Civil Pública em desfavor do Estado de Minas Gerais e do Instituto Estadual de Florestas.

No âmbito judicial, o processo de nº 0012118-49.2012.8.13.0325 tramita pela comarca de Itamarandiba e busca, de forma coletiva, soluções para os impasses gerados pela criação da Unidade de Conservação, como a justa indenização pelas propriedades e o reassentamento para as famílias tradicionais.

Segundo o advogado da entidade, Dr. Luiz Fernando Alves, já foram realizadas várias reuniões com autoridades, inclusive com apresentação de proposta de acordo para solucionar o caso, mas sem resposta adequada do Estado: “Tivemos reuniões com o Advogado Geral do Estado, Dr. Roney Torres, com o Diretor Geral do IEF, Bertholdino Teixeira e com outras autoridades. Pediram uma proposta de acordo e nós apresentamos, mas, infelizmente, o Estado parece não querer solucionar o problema. Dizem que não podem fazer o Reassentamento nem a indenização amigável, mas está previsto na lei que essas pessoas têm esse direito.”

 

O advogado da associação e o presidente Sr. Jose Raimundo da Silva formaram consenso que a única saída digna para os moradores da Serra Negra é a participação ativa do Ministério Publico, que também, no ano de 2013, ajuizou Ação Civil Pública em desfavor do IEF-MG e do Estado de Minas Gerais, tendo como pano de fundo a omissão do estado em gerir e implementar adequadamente o Parque Estadual da Serra Negra.

Já houve representação na Promotoria de Justiça local e na Coordenadoria e Inclusão e Mobilização Social do Ministério Publico (CIMOS-MPMG) acerca das constantes agressões aos direitos humanos sofridas pelas comunidades atingidas. Os atingidos tratam como a última luz no fim do túnel a atuação firme do Ministério Publico. “Esse povo do Estado só respeita os Promotores e Procuradores de Justiça”, confessou José Raimundo.

 


SEGUNDO ADVOGADO, OMISSAO DO ESTADO SOMA PREJUÍZO DE APROXIMADAMENTE 200 MILHÕES DE REAIS PARA ITAMARANDIBA


A conversa com o advogado Luiz Fernando Alves, da Associação dos Defensores e Amigos da Serra Negra, também desvendou que a omissão do Estado de Minas Gerais e do IEF-MG com a questão do Parque Estadual da Serra Negra traz inúmeros prejuízos para Itamarandiba.

Segundo o bacharel, desde 1998, ano de criação da Unidade, até 2014, a cidade de Itamarandiba perdeu cerca de 200 milhões de reais em ativo circulante, dinheiro que deveria estar impulsionando o desenvolvimento das famílias atingidas e da cidade como um todo.

O estudo realizado leva em consideração todo o ciclo que já deveria estar concluído com a efetiva implantação da Unidade de Conservação. Serviram como critérios do “prejuízo” os valores das indenizações/desapropriações pendentes; a infraestrutura da UC; a arrecadação municipal através do ICMS ecológico; a receita proveniente da exploração turística do Parque e adjacências; as receitas de pessoal para a conservação do Parque e o prejuízo decorrente da paralisação das atividades econômicas então desenvolvidas pelos atingidos do Parque.

“É um numero assustador, mas que traduz a omissão do Estado com a nossa Itamarandiba por mais de 15 anos. É um prejuízo para todos nós, advogados, comerciantes … E a tendência é que aumente, porque, se o Estado não tomar atitude alguma, o Serra Negra continuara como está pelos próximos 15 anos”, disse o advogado, pessimista com a ação estatal para os próximos anos.

 

 
Redação

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